Cida Cunha, campeã das 100M da One Hundred® Rio Caminho do Ouro World Series
Maria Aparecida Cunha é o nome da fera! Aos 46 anos, a mineira Cida Cunha é farmacêutica, casada, mãe de quatro filhos e … ultramaratonista. Em Contagem-MG, na Grande BH, ela pode ser vista nas madrugadas, mesmo em dias de chuva, cumprindo mais um treino de corrida.
Nos dias 22 e 23 de abril, Cida sagrou-se campeã das 100M da One Hundred® Rio Caminho do Ouro, que abriu a World Series, circuito mundial de Mountail Ultra Trail. Foram 160k em pouco mais de 28 horas. O maior feito de sua carreira de atleta até aqui rendeu vaga na etapa final do circuito, em Grand Sasso, na Itália. Confira!
INÍCIO NO ATLETISMO
Comecei a correr há 16 anos, no asfalto. Comecei com 5K, depois vieram 10, 16 até chegar uma meia maratona. Corria na região da grande BH e isso começou a me render algum valor em dinheiro, já que eu sempre ficava entre as cinco primeiras colocadas.
Na época estava na faculdade de Farmácia em Itaúna e o que me ajudava a custear os estudos eram as premiações destas corridas aqui em Minas.
DA VELOCIDADE À RESISTÊNCIA
Nestes 16 anos eu fiquei grávida duas vezes e com o tempo eu percebi que estava ficando mais resistente e menos veloz. Então, a partir da última gravidez, há seis anos, eu já comecei a me desligar do asfalto e a me dedicar a distâncias maiores nas trilhas. Me adaptei muito bem a isso e fui me apaixonando pelas ultras em trilha, encontrando nelas meu bem estar físico e mental.
Comecei a correr provas de 50K, como a WTR Petrópolis, em 2019. No mesmo ano fiz os 135K da UAI em Itanhandu e a Caminhos de Rosa, de 160K. E essa é minha única experiência na distância, mas em percurso plano, em estradas de terra, com muta poeira, calor e clima de cerrado.
A INSCRIÇÃO NA ONE HUNDRED
A ideia de correr em Paraty veio logo na divulgação da prova. O Renato, da SOU ULTRA, meu treinador, meu deu a sugestão de fazer. Então li o regulamento e vi que eu tinha 48 horas para completar. Minha primeira preocupação era terminar dentro deste tempo e com bem estar físico e psicológico.
Estou me preparando há cinco meses. Renato e eu desenvolvemos um plano de treinamento que executamos sob sol e chuva, sem deixar de treinar um dia previsto sequer. Cinco meses de treinamento duro, dedicando-me exclusivamente para esta prova, sem participar de outra qualquer.
A JORNADA DE TREINOS
Sou farmacêutica, trabalho nove horas por dia com apenas um dia de folga semanal, mãe, dona de casa… Não é fácil cumprir minha rotina de treinos. Para cumprir a planilha tenho que acordar às 4h da madrugada para treinar antes de ir para o trabalho. Não é só o treino de corrida, tem a academia, o reforço muscular. Uma jornada bem árdua. Fim de semana tem os longões e você precisa abrir mão de visitas aos familiares, passeios… se você vai passear tem que pensar em como conciliar seus treinos. Tudo fica em segundo plano. O primeiro é treinar…
Felizmente durante esta jornada de treinos não tive qualquer imprevisto e tudo saiu até melhor do que planejei. Treinamos para uma prova na qual eu queria me sair bem, mas nem pensava em vencer, tendo em vista que as melhores atletas da modalidade estariam lá. Sem contar a dureza da prova. Eu estava preparada para completar, mas tudo saiu melhor do que pensei.
A PROVA
Fiz a minha prova sem estratégia de colocação. Apenas executei do início ao fim o que treinei em cinco meses. Como é uma prova longa, mentalmente eu a dividi em trechos. Li o regulamento, estudei o percurso e sabia os trechos mais complicados… fui cumprindo cada etapa, que era a distância entre os PCs. E em cada etapa eu me perguntava se estava bem para dar o meu melhor. E o meu melhor foi o que eu pude treinar durante estes cinco meses.
Na semana da prova fiquei muito ansiosa em ter que enfrentar o desconhecido. Uma ansiedade que só começou a diminuir depois da largada. Momentos antes da largada minha sensação era a de que eu nunca havia corrido na vida, nunca havia treinado. Tudo isso aos poucos foi descarregando.
Larguei junto com a Letícia Saltori, a mais cotada para vencer a prova e fui com ela até o km10, quando começou o King/Queen of the Hill, que tinha uma premiação específica. Aí ela abriu e nos distanciamos. Em algum momento passei por algum atleta, mas fiz quase que a prova inteira sozinha.
LIDERANÇA À VISTA
Na metade da prova, km 83, fiquei sabendo pelo pessoal do ponto de apoio que a Letícia estava duas horas na frente. No km 132, a distância era de uma hora. Eu continuei a minha prova e no meu ritmo. Quando cheguei no km 143, onde havia um PC, a 1,5km de distância, numa descida longa, eu avistei a Letícia e aí eu decidi que a prova seria minha. Eu pensei comigo ´´ela está ali e eu vou partir para a morte. Pode vir a terceira colocada de avião que não vai me passar. Eu vou buscar a Letícia!“ Era a descida do Mountain Goat, que também havia premiação.
Passei por ela, que estava sentindo dores com os calos no pé. Eu também estava e isso é normal numa prova como esta. E foi ali, perto do km 143 que eu parti com a intenção de vencer a prova.
SOBE E DESCE
As 100M da One Hundred Rio Caminho do Ouro têm muitas subidas e descidas, tudo muito técnico. Muito difícil de correr não só pela distância, atravessamos vários rios várias vezes e o pé fica molhado quase o tempo todo aumentando o risco de bolhas e calos. É muito trabalho mental, muito cuidado para evitar ao máximo alguma lesão que nos impeça de completar a prova.
Faltando cerca de 6K para chegar atravessamos um desses rios duas vezes. Um rio muito largo que atravessamos segurando uma corda por causa da correnteza. Ali eu enchi o tênis de areia e tive que tirar. Dali até a chegada foram seis quilômetros correndo descalça!
MOTIVAÇÃO PARA COMPETIR E VENCER
Uma das maiores motivações que temos em uma prova é que aquele é o momento para o qual você treinou por muito tempo. Treinos difíceis, longas subidas na madrugada…treinos árduos na chuva… tudo isso faz com que coloquemos um pouco mais na prova. Mas na verdade a grande batalha é cumprir uma jornada de treinos. Essa jornada é muito mais difícil do que a prova…
Eu coloquei esse pouco mais e quando cruzei a linha de chegada senti algo inexplicável. Mineiro come-quieto, fica caladinho ali no seu canto… Antes da prova começar eu via aquela movimentação de repórteres, revista, fotos… todos rodeando Letícia, Rosália…eu ali na minha, caladinha, quietinha… e eu não esperava isso para mim. Realizei um sonho de verdade. Valeu à pena o treinamento, as madrugadas de treino, os dias de chuva… valeu à pena demais da conta“.
FICHA CAINDO
A ficha está caindo agora, falando da prova e pensando no que eu fiz e no que eu poderia ter feito de forma diferente…. E eu ainda acho que poderia ter sido melhor… mas foi uma experiência gigantesca. Os planos agora, de volta aos treinos, com seriedade, pés no chão, são os de pensar em estar na etapa final na Itália.
FIM DO ANONIMATO
Sou mineira e fico na minha. Sou bichinho do mato e acho que nunca vou estar preparada para entrevistas. Morro de vergonha de falar, não falo bem. Fico bem acanhada quando sou entrevistada ou questionada (risos). Acho que eu falo mal, mas olha que estou gostando muito desta história de entrevistas e lives… É muito gostoso tudo isso, eu só não levo jeito para a coisa. Mas eu vou aprender, por que tudo nesta vida é aprendizado.